Doença de La Peyronie
Desenvolvido por Dra. Carolina Gomes
A doença de La Peyronie é uma patologia benigna do tecido conjuntivo peniano que se caracteriza pela presença de uma placa de tecido fibroso na túnica albugínea dos corpos cavernosos, condicionando perda local da sua elasticidade com consequente curvatura do pénis em ereção.
A etiologia permanece desconhecida, mas acredita-se que tenha uma causa traumática, possivelmente um processo cicatricial não resolvido secundário a microtraumatismos durante o ato sexual, com microrrotura de vasos. Ocorre, assim, inicialmente um processo inflamatório agudo, seguido de cicatrização por ativação de fibroblastos e deposição de colagénio, sendo usualmente considerado necessário um período 12 meses para a estabilização da placa.
Afecta cerca de 60% dos casos homens, sobretudo caucasianos, entre os 40 e os 60 anos, mas já foram descritos casos desde os 18 até aos 83 anos. Tem uma prevalência estimada em Portugal de 1%. Está associada a algumas doenças, como a doença de Dupuytren, Diabetes Mellitus, hipertensão arterial e artrite reumatóide, bem como com o alcoolismo.
O diagnóstico desta patologia é essencialmente clínico. O doente inicialmente refere sobretudo dor em ereção, decorrente da fase inicial de inflamação aguda, sendo que com a estabilização da placa a queixa principal é a curvatura peniana. A curvatura da doença de La Peyronie é caracteristicamente dorsal. Pode eventualmente ter associada uma curvatura lateral, e muito raramente esta é ventral.
A doença de La Peyronie em ampulheta é um subtipo raro da doença que se caracteriza por um atingimento circunferencial da túnica albugínea. Nesta praticamente não se verifica curvatura, mas pelo extenso atingimento, associa-se mais vezes a disfunção eréctil.
Quanto ao tratamento, várias terapêuticas farmacológicas têm sido propostas, mas com eficácia limitada. Dependem sobretudo de dois mecanismos de atuação: ação antioxidante e inibição da síntese de colagénio. Como tratamento oral foram propostos vários fármacos, sendo a vitamina E e o tamoxifeno dos mais utilizados. Com ação local (intralesional) foi proposto o uso de esteroides, colagenases, verapamil e interferão. Todavia, nenhum destes fármacos mostrou evidências de reduzir a curvatura. Optando pela sua utilização, o tratamento farmacológico deverá ser feito na fase inicial da doença, antes da estabilização, para alívio da dor.
O tratamento cirúrgico é portanto o tratamento de eleição na doença de La Peyronie. Para melhor ajudar na decisão terapêutica, podemos dividir os doentes em três categorias:
1- Placas assintomáticas ou que condicionam ligeira curvatura, mas que não afetam significativamente as relações sexuais.
2- Placas que exacerbam a curvatura de forma que a penetração não seja possível ou seja dolorosa, implicando relações sexuais insatisfatórias.
3- Doença associada a disfunção erétil.
De facto, algumas placas não vão condicionar curvatura e mesmo curvaturas até 40o podem ser toleradas pelos doentes e não afetarem a sua atividade sexual. Neste grupo não está indicado o tratamento cirúrgico. Para os outros dois grupos, a cirurgia justifica-se, sendo o único tratamento comprovadamente eficaz. Ainda assim, alguns critérios devem ser cumpridos. O doente apenas poderá ser submetido ao procedimento após estabilização do processo fibrótico, ou seja, doença há mais de 12 meses e deformidade estável há pelo menos 3 meses. A avaliação pré-operatória dos doentes vai incluir sobretudo quatro parâmetros, com implicações no tipo de cirurgia a efetuar: natureza e magnitude da curvatura, comprimento do pénis e avaliação hemodinâmica da ereção.
Para o segundo grupo, que engloba doença de La Peyronie sintomática não associada a disfunção eréctil ou associada a disfunção eréctil mas responsiva à terapêutica oral, dispomos sobretudo de cirurgia reconstrutiva:
As técnicas de encurtamento da túnica albugínea (plicaturas e corporoplastias) estão indicadas sobretudo em curvaturas uniplanares, de magnitude ligeira a moderada (<60o), sem deformidade desestabilizadora e com encurtamento peniano inferior a 20%. Têm como principais vantagens: menor tempo cirúrgico, reduzidas implicações hemodinâmicas, bom efeito cosmético, além de serem técnicas simples, seguras e eficazes. As desvantagens prendem-se, sobretudo, com o encurtamento do pénis.
As técnicas de alongamento peniano, de manipulação da placa com colocação de enxerto, estão indicadas em curvaturas complexas, magnitude superior a 60o, deformidade proeminente, doença em ampulheta ou encurtamento severo do pénis. As potenciais complicações compreendem o agravamento da disfunção eréctil, neuropatia do nervo dorsal do pénis e anestesia ou disestesia prolongada.
As vantagens são sobretudo a possibilidade de se abordarem curvaturas complexas e de não condicionar encurtamento peniano. Deverão ser realizadas em centros com experiência neste tipo de cirurgia.
O enxerto utilizado pode ser de três tipos: sintético, autólogo ou produto de engenharia de tecidos. Os enxertos sintéticos atualmente não são utilizados devido a elevada taxa de infeção, fibrose por fenómenos inflamatórios marcados, retração e risco de reação alérgica. Os enxertos autólogos podem ser de diversos tecidos: mucosa bucal, derme ou veia safena, entre outros. Estão amplamente disponíveis, são facilmente obtidos e bem tolerados, com risco mínimo de infeção e reação do hospedeiro.
Contudo, requerem tempo cirúrgico alargado para colheita, pode não haver material suficiente se o defeito for de grandes dimensões e, no caso da veia safena, impossibilita o seu uso para possível futuro bypass coronário. Os enxertos com tecido de matriz extracelular podem ser de pericárdio bovino ou cadavérico ou SIS. O SIS corresponde a uma matriz biológica de colagénio, acelular, derivada da submucosa do intestino delgado do porco e obtida através de técnicas de engenharia tecidular.
Estes materiais têm a capacidade de ser incorporados no tecido, com aumento da força tênsil com o tempo.
Para o último grupo, doença de La Peyronie associada a disfunção eréctil refratária ao tratamento médico, está indicada a colocação de prótese peniana. Em curvaturas inferiores a 30o a colocação da prótese pode ser suficiente para corrigir a curvatura. Nos outros casos, a colocação de prótese peniana deverá ser acompanhada de modelagem e, caso a curvatura residual seja superior a 30o, a colocação de enxerto poderá estar indicada.
Associado à colocação de prótese peniana existe sempre o risco de infeção, mas que atualmente, devido ao melhoramento progressivo das próteses penianas, como por exemplo o seu revestimento com antibiótico, esta ocorre em menos de 1% dos casos.
O grau de satisfação dos doentes, bem como o das suas parceiras, é assim muito elevado, rondando os 90%.